APRESENTAÇÃO




“Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia / Você vai ter que ver / A manhã renascer / E esbanjar poesia / Como vai se explicar / Vendo o céu clarear / De repente, impunemente / Como vai abafar / Nosso coro a cantar / Na sua frente”.
(Chico BUARQUE, “Apesar de você”, Chico Buarque, 1970)

“[...] a esperança, este afeto expectante contrário à angústia e ao medo, é a mais humana de todas as emoções e acessível apenas a seres humanos. Ela tem como referência, ao mesmo tempo, o horizonte mais amplo e mais claro. Ela representa aquele appetitus no ânimo que não só o sujeito tem, mas no qual ele ainda consiste essencialmente como sujeito não plenificado”
(BLOCH, Ernst. O princípio esperança I. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; Contraponto, 2005, p. 77).

“Que toquem os sinos em nome da esperança / Eterna criança que vive, / brincando, no peito / Dos homens que sabem da força que tem o respeito / Para com os seus semelhantes, / Na luta por seus direitos / Que traga a alegria o toque feliz deste sino / E faça dançar nas ruas meu povo menino".
(GONZAGUINHA, “Esperança”, Coisa mais maior de grande: pessoa, 1981)

“Mas é claro que o sol vai voltar amanhã / Mais uma vez, eu sei / Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã / Espera que o sol já vem”.
(Renato RUSSO, “Mais uma vez”, Duetos, 2010)

“Pois essa esperança está fundada no impulso humano para a felicidade e dificilmente poderá ser destruída, e com suficiente clareza ela sempre foi um motor da história. Ela o foi como expectativa e instigação para um objetivo positivamente visível, pelo qual importa lutar, e dá um impulso para frente no transcurso monótono do tempo”
(BLOCH, Ernst. O princípio esperança I. Trad. Nélio Schneider. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; Contraponto, 2005, p. 430)




Nesses primeiros anos do terceiro decênio do século XXI temos constatado retrocessos em importantes indicadores sociais, econômicos, ambientais e políticos. Quanto aos primeiros, as taxas de desemprego dispararam, a riqueza e a renda vêm se concentrando com renovado vigor, a pobreza e a miséria regressaram com força. No que se refere aos indicadores econômicos, o processo de desindustrialização segue em ritmo acelerado, enquanto o capital financeiro avança, desimpedido, sobre o produto econômico e a estrutura produtiva. Em relação aos indicadores ambientais, a destruição do meio físico (resultado de omissão oficial e descumprimento da legislação por parte de agentes privados) parece não ter mais limites – como têm evidenciado o rompimento da Barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, a pressão para autorizar a exploração mineral em terras indígenas e o aumento do desmatamento na Amazônia. Por fim, os indicadores políticos informam que os direitos individuais e coletivos têm sofrido reveses consideráveis, a ponto de se reconhecer que o Brasil caminha a passos largos em direção a um ambiente político marcado por crescente déficit democrático.

No campo da cultura, a manifestação pública do preconceito contra a ciência e as artes parece levar ao agravamento desses indicadores. Embora este complexo quadro dê conta do que se passa no país, o contexto internacional não deixa de favorecê-lo. Pelo menos, no que respeita às alianças preferenciais dos grupos sociais que se beneficiam com a referida degradação social, econômica, ambiental e política. De fato, no âmbito das diatribes que antagonizam as velhas e as novas forças econômicas internacionais, o Brasil vem sendo reconduzido a alianças preferenciais com a potência decadente.

A crescente instabilidade econômica no plano internacional ganha contornos de crise estrutural do capital. Os riscos que aí se apresentam para quem aposta tantas fichas na potência ainda hegemônica podem ser antecipados – e tendem a ser cruelmente pesados para o conjunto da sociedade. A entrada em cena da pandemia do novo coronavírus, Covid-19, entre fins de 2019 e início de 2020 – sem perspectivas concretas de abrandar suas nefastas consequências – têm agravado tão rápida quanto dramaticamente o cenário que se acaba de esboçar.

É aí, nesta conjuntura de tempestade perfeita, que se realizará a décima-nona edição do Encontro Nacional da ANPUR. A palavra-chave é esperança. A tradição é de que os encontros nacionais ocorram a cada dois anos. Em decorrência da crise sanitária do novo coronavírus, o intervalo entre a última edição e a próxima será de três anos. Ademais, também é tradição que os encontros nacionais sejam realizados em capitais de estados. O XIX ENANPUR ocorrerá em uma cidade média que não é capital.

Assim, para debater as causas mais profundas do complexo quadro acima esboçado, com seus incontornáveis impasses e implicações nas escalas urbana e regional, o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, da Universidade de Blumenau, convida a comunidade de pesquisadoras e pesquisadores do campo do planejamento urbano e regional a participar, ativamente, do XIX Encontro Nacional da ANPUR. Que aí se tenha a oportunidade de reavaliar as táticas e estratégias, adotadas até o presente, para a formulação e a consecução dos variados projetos societários que assentam em autêntica solidariedade, justiça, liberdade e autodeterminação. Que aí se constitua um espaço para a construção da esperança em escala urbana e regional.




“Tente / E não diga que a vitória está perdida / Se é de batalhas que se vive a vida / Tente outra vez”.
(Raul SEIXAS, “Tente outra vez”, A arte de Raul Seixas, 2004)

“A esperança / Dança, na corda bamba de sombrinha / E em cada passo dessa linha / Pode se machucar / Azar / A esperança equilibrista / Sabe que o show de todo artista / Tem que continuar”.
(Aldir BLANC & João BOSCO, “O bêbado e a equilibrista”, Linha de Passe, 1979)